Hoje em dia, poucas pessoas abastadas guardam cofres cheios de ouro e prata. Quem tem dinheiro não deseja guarda-lo, mas sim movimentá-lo, buscando um meio lucrativo de investi-lo. Tenta achar onde colocar seu dinheiro, de forma a ter uma retirada proveitosa, com o juro mais alto. O dinheiro pode ser aplicado em negócios, em ações de uma companhia siderúrgica; pode ser empregado na aquisição de apólices do governo, ou num sem-número de outras coisas. Hoje, há mil e uma maneiras de se aplicar capital, na tentativa de obter mais capital.
Mas logo no início da Idade Média, tais portas não estavam abertas aos ricos. Poucos tinham capital para aplicar, e os que o possuíam pouco emprego encontravam para ele. A Igreja tinha seus cofres cheios de ouro e prata, que guardava em suas caixas-fortes ou utilizava para comprar enfeites para os altares. Possuía uma grande fortuna, mas era capital estático, e não continuamente em movimentação, como as fortunas de hoje. O dinheiro da Igreja não podia ser usado para multiplicar sua riqueza, porque não havia saída para ele. O mesmo acontecia à fortuna dos nobres. Se qualquer quantia ia ter às suas mãos, por impostos ou multas, os nobres não podiam investi-la em negócios, porque estes eram poucos. Todo o capital dos padres e dos guerreiros era inativo, estático, imóvel, improdutivo.
Mas, não se necessitava diariamente de dinheiro para adquirir coisas? Não, porque quase nada era comprado. Um pouco de sal, talvez, e algum ferro. Quanto ao resto, praticamente toda a alimentação e vestuário de que o povo precisava eram obtido no feudo. Nos primórdios da sociedade feudal, a vida econômica decorria sem muita utilização de capital. Era uma economia de consumo, em que cada aldeia feudal era praticamente autossuficiente (...)
Sem dúvida, havia certo intercâmbio de mercadorias. Alguém podia não ter lã suficiente para fazer seu casaco, ou talvez não houvesse na família alguém com bastante tempo ou habilidade. Nesse caso, a resposta à pergunta sobre o casaco poderia ser: “Paguei cinco galões de vinha por ele”. Essa transação provavelmente se efetuou no mercado semanal mantido junto de um mosteiro ou castelo, ou numa cidade próxima. Esses mercadores estavam sob o controle do bispo ou senhor e ali se trocavam quaisquer excedentes produzidos por seus servos ou artesãos, ou quaisquer excedentes dos servos. Mas com o comércio em tão baixo nível não havia razão para a produção de excedentes em grande escala. Só se fabrica ou cultiva além da necessidade de consumo quando há uma procura firme. Quando não há essa procura, não há incentivo à produção de excedentes. Assim sendo, o comércio nos mercados semanais nunca foi muito intenso e era sempre local. Um outro obstáculo à sua intensificação era a péssima condição das estradas. Estreitas, mal feitas, enlameadas e geralmente inadequadas às viagens. E ainda mais, eram frequentadas por duas espécies de salteadores – bandidos comuns e senhores feudais que faziam parar os mercadores e exigiam que pagassem direitos para trafegar em suas estradas abomináveis. (...)
Outros obstáculos retardavam a marcha do comércio. O dinheiro era escasso e as moedas variavam conforme o lugar. Pesos e medidas também eram variáveis de região para região. O transporte de mercadorias para longas distâncias, sob tais circunstâncias, obviamente era penoso, perigoso, difícil e extremamente caro. Por todos esses motivos, era pequeno o comércio nos mercados feudais locais.
Mas não permaneceu pequeno. Chegou o dia em que o comércio cresceu, e cresceu tanto que afetou profundamente toda a vida da Idade Média. O século XI viu o comércio andar a passos largos; o século XII viu a Europa Ocidental transformar-se em consequência disso.
(HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1983, p. 25-7).