A partir, digamos, de 1860, a civilização ocidental deu mais um salto no seu desenvolvimento. Um salto tão formidável que todos os povos da terra, até mesmo os mais orgulhosos da sua cultura, começaram a gravitar em torno da Europa.
Nas extensas savanas africanas, nas pradarias do Oeste, além do Mississipi, na selva amazônica, no Tibete ou na Cochinchina, onde quer que houvesse gente, o trem, a energia elétrica e a conta bancária começaram a ser encaradas como o máximo de progresso a ser atingido. Eles eram, antes de tudo, símbolos de uma nova forma de dominação: o imperialismo.
O imperialismo não foi produto da vontade dos homens. Foi apenas a continuação do desenvolvimento capitalista, assim como uma pessoa que, após a adolescência, chega à idade adulta.
Os países mais ricos do mundo – a Inglaterra, a Alemanha, a França, a Bélgica... – estavam transbordando de capitais. No século anterior, estavam com excesso de artigos industriais, o que os empurrou à conquista de mercados – a abertura dos portos do Brasil pode servir de exemplo disso. Agora, o que estava sobrando era dinheiro para ser aplicado. É eles iniciaram, então, a exportação de capitais para as regiões mais atrasadas do globo.
Imagine que você é um capitalista londrino, aí por volta de 1870. Bobagem montar uma nova fábrica, comprar ações de um banco, instalar mais uma loja: o lucro será pequeno como uma bola de golfe. Você quer algo assim grande e rápido como o célebre balão de Júlio Verne. Uma excelente oportunidade aparece quando lhe propõem construir uma estrada de ferro no Brasil – isso, naturalmente, depois de convencê-lo de que existe uma terra quente e pródiga com tal nome. Excelente oportunidade por que?
Porque os lucros serão fabulosamente altos: a grande necessidade de um tipo moderno de transporte mais a ausência de concorrentes tornarão a sua estrada de ferro um “negócio da China”. (Interessante: a expressão “negócio da China” quer dizer precisamente negócio como os imperialistas europeus costumavam fazer no Oriente). E os problemas que sempre aparecem quando alguém se prepara para fazer qualquer coisa longe do seu país?
Os governos dos países atrasados que recebiam investimentos de capitais estavam dispostos a resolver esses problemas. Davam facilidades, não cobravam impostos, garantiam exclusividade enquanto você quisesse e até emprestavam dinheiro, se você preferisse guardar uma parte do seu.
Digamos, agora, que você encontrasse, num país assim, um concorrente de lá mesmo – um empresário nacional que, à custa de muito sacrifício, estivesse construindo uma estrada de ferro... Não seria difícil jogá-lo fora do barco. Para começar, o empresário nacional não tem a confiança das pessoas ricas do país. Elas se acostumaram, desde os tempos coloniais, a acreditar mais nos que vêm de fora do que nos próprios conterrâneos. A técnica estrangeira, etc., no seu entender, são sempre superiores. Assim, enquanto o empresário nacional dificilmente encontra sócios, você, o estrangeiro, os encontra com facilidade. (É comum em países explorados ouvirem-se as expressões: “povo inteligente é o alemão”; “povo eficiente é o inglês” e tolices do gênero).
Outra coisa: você é o sócio do governo, pois esse governo representa os grandes fazendeiros exportadores. Como eles precisam de você para vender seus artigos agrícolas – açúcar, tabaco, algodão, café, etc. – estão dispostos a lhe conceder favores na hora em que você quiser vender a sua estrada de ferro. E, por fim, se nenhuma dessas duas coisas lhe deu garantia suficiente de um bom negócio, você tem uma arma infalível para liquidar o incômodo empresário nacional. Você tem o domínio da técnica, bem como da maneira de fazer uma estrada de ferro. Ele não tem. Basta, para submetê-lo, você cobrar muito pela venda desta técnica e deste know-how ele fechará as portas definitivamente. Ou, para sobreviver, baterá à sua porta pedindo sociedade, e você, para o bem de todos, a dará.
Esta história, contada do ângulo de um investidor estrangeiro no Brasil do Segundo Reinado, permite ver como o imperialismo chegou aqui. E como derrotou o primeiro grande empresário brasileiro que foi Irineu Evangelista de Souza, o engraxador de botas que, depois de ser o homem mais rico do Brasil, morreu pobre como tinha nascido.
SANTOS, Joel Rufino dos. História do Brasil, p. 103-5.