A história nos revela, e a nossa história também o faz, que a colônia é organizada para funcionar como "instrumento" da nação colonizadora. Desde o início, desde a instauração das relações entre conquistados e conquistadores, dominados e dominadores, se estabelece um tipo de relação correspondente ao do senhor e do escravo. O colonizador é sujeito, ao passo que o colonizado é objeto; o primeiro é titular de direitos e privilégios, o segundo só tem obrigações e deveres, e, quanto aos direitos, apenas aqueles que o senhor lhe concede.
Esquecemo-nos, frequentemente, de que, ao descobrir e colonizar o Brasil, não pretenderam os portugueses lançar, nas regiões do novo mundo, as bases, os fundamentos de uma nação independente. Ao encontrar a terra de Santa Cruz, o propósito que animava os descobridores era o de dilatar o Reino, incorporando novos domínios ao Império de Portugal. Não se tratava, para os contemporâneos de D. Manuel, o Venturoso, de plantar, no continente virgem e quase deserto do que mais tarde viria a ser a América Latina, a semente de países autônomos, de povos independentes, criando uma estrutura política e administrativa que propiciasse, ulteriormente, a sua emancipação. O propósito, ao contrário, era predatório e a preocupação exclusiva, a de explorar as riquezas da terra conquistada, remetendo para a metrópole o fruto dessa exploração.
Foi em função desse projeto, perfeitamente definido, que se assentaram as bases e se esboçou a estrutura do que se tornaria, alguns séculos depois, a nacionalidade brasileira. Ao longo dos ciclos de exploração do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do ouro, do gado, o que interessava à metrópole era manter e consolidar a situação colonial do Brasil.
O complexo colonial, no qual se configurou o homem brasileiro durante mais de quatro séculos, implicava a impossibilidade de tomarmos consciência crítica de nós mesmos. Se remontarmos a nossa própria biografia e consultarmos o nosso estado de espírito, até há pouco tempo atrás, verificamos que o colonialismo se manifestava em nós não só pela total dependência, mas também pelo complexo de inferioridade em relação à Europa. Se eram ingleses os sapatos e as fazendas das roupas que vestíamos, franceses eram os livros que líamos e as ideias de que utilizávamos.
Não nos víamos com os próprios olhos, mas com os olhos dos europeus. Tínhamos vergonha de nós mesmos, de nossa pobreza, de nossa incultura, de nossa inferioridade. Encharcados, até os ossos, de cultura europeia, éramos cegos e surdos em relação ao Brasil.
Para rompermos com toda essa situação de país subdesenvolvido, semicolonial, é preciso compreendermos que o Brasil não é exterior a nós, mas está em nós, faz parte do nosso corpo e da nossa alma. O problema da cultura brasileira é um problema nosso, um problema pessoal. Nossa existência será dependente e inautêntica enquanto for dependente e inautêntica a existência do País.
Não nos parece ser outra a missão das novas gerações brasileiras. Descobrir o País, tomar consciência de sua realidade, de seus problemas, e forjar a ideologia capaz de configurar o seu futuro, promovendo o seu desenvolvimento e a sua emancipação. Não temos outra coisa a fazer, senão inventar o nosso destino, construindo uma cultura que seja a expressão, a forma adequada do novo Brasil que devemos criar.
Roland Corbisier